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segunda-feira, 18 de março de 2013

Uma questão de heroismo


O Rei, certa vez, cantou: "Se eu posso sonhar com um sol mais brilhante, e que a esperança continua brilhando para todo mundo, me diga, por que o sol não vai aparecer?".
Então me diga! Me diga quem é que teve a audácia de nos livrar do Sol? Da luz? Do calor?
Quem ousou deter para si, e só para si, o vital?
Quem nos fez de ratos, vivendo na sombra, vivendo de migalhas? Migalhas de ideologias, de respeito, de luz, de risadas, de esperanças? 
Quem ousou fantasiar-se de gato e, cinicamente, nos mandar escolher entre sua bocarra e a ratoeira? Ame-o ou deixe-o?
São só essas as nossas opções, ou há mais que podemos fazer? 
O Rei ainda canta: "E enquanto eu puder pensar, enquanto eu puder falar, ficar em pé, andar! Enquanto eu puder sonhar, então deixem meu sonho se realizar!". Nós temos o direito de sonhar e mais que tudo podemos realizar! Não há só a bocarra do gato, que nos oprime, ou a ratoeira, cujo queijo nos satisfaz enquanto o chicote estrala em nossas costas. Há mais que isso esperando por nós, se assim o quisermos e conquistarmos. Há lá fora a luz do sol, que brilha para todos.
 E Herói foi, é, e será aquele que escolher para si o calor do sol a acariciar, e não as garras do gato a arranhar.
Herói é aquele que vê o túnel sombrio para o lado de fora, onde é tudo mais claro, onde tudo é mais quente.
Heróis podemos ser, basta realizar.

Ao Rei.
Ao Kafka.
Ao Herói.

terça-feira, 12 de março de 2013

Florescendo

O essencial é invisível aos olhos, ainda mais quando escondido. Ainda mais quando confundido. Ainda mais quando encharcado de uma crosta de hipocrisias. Tornam-se invisíveis quando cimentam nossos sonhos, quando roubam nossas vozes ou projetam em nós as frustrações, talvez ilusórias, de um mundo em que não há mais sonhos, canções ou risadas.
O essencial torna-se perdido quando não há mais esperança no sorrir, no transformar, no acreditar: que podemos mais e faremos mais. O essencial torna-se ridículo quando o imediato fala mais alto. O essencial torna-se angustiante ao passo que o percebemos perdido, ridículo.
O essencial não está apenas no futuro, o essencial está em nós. O essencial está em um sorriso desperdiçado ou em um sonho que se persiga. Numa música que encante e numa criança que nos cative.
Deixa que sua criança volte a te cativar, essencialista. Deixa que se deixe sorrir. Deixa que se deixe dançar. Deixa que se deixe sonhar. Porque o que é de essencial torna o imediato muito mais gostoso.
Porque o essencial fica, cultiva, cresce e se multiplica.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Faz de conta

O dia amanheceu nublado.
A tarde só trouxe mais carregadas nuvens de chuva para a cidade, e os arranha-céus pareciam perder-se em meio ao horizonte.
Lá, na creche, ela resolvia os problemas no escritório: empilhava as contas, atendia os telefonemas e digitava relatórios. Os olhos no relógio só queriam que a chuva não caísse antes que ela pudesse voltar para casa.
No pátio, as crianças todas brincavam em baixo das nuvens, e quando ela por fim saiu do escritório, o pequeno Davi veio correndo em sua direção, com as bochechas rosadas e a camiseta manchada:
"Tia Ana, Tia Ana. A nuvem não quer chover, ó!". E apontava o dedinho para o céu. Ana sorriu.
"Não chove porque a gente não dançou!"
"E tem que dançá pra chovê?"
"Tem sim, faz assim ó"
Ana colocou as pastas de relatório de lado, abriu os braços e começou a meditar dando voltas no pátio:
"Chuva tá no céu. Chuva chove aqui! Chuva tá no céu. Chuva chove aqui! Chuva tá no céu. Chuva chove aqui!"
O pequeno Davi abriu os bracinhos e começou a dançar. Logo as crianças todas estavam entregues àquela meditação e não havia mais nenhuma barreira de idade imposta entre eles. Não havia mais contas, telefonemas ou relatórios. Só havia essa dança e essas crianças, que se entregavam à alegria de serem donas do mundo. Só havia as gotas de chuva molhando seus rostos e braços abertos.
E quem foi que disse que não pode haver magia?