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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

C.D.A

Como já dizia Carlos Drummond de Andrade:


"É preciso casar João,
é preciso suportar Antônio,
é preciso odiar Melquíades,
é preciso substituir nós todos.


É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus,
é preciso pagar dívidas,
é preciso comprar um rádio, 
é preciso esquecer fulana.


[...]


É preciso viver com os homens, 
é preciso não assassiná-los,
é preciso ter mãos pálidas
e anunciar o fim do mundo."


E é nesse mundo que a gente vive, onde forças maiores e inaparentes nos impõe certas necessidades que são ridículas. É preciso se perder, se achar, é preciso sair, beber, comer. É preciso ter amores efêmeros, é preciso morrer de tristeza, é preciso gritar. É preciso o protesto, e também a passividade. É preciso que sejamos humanos, desenvolvidos, civilizados, dentro do padrão que nos é colocado. É preciso sonhar com o impossível, correr atrás e desistir, é preciso estudar, falar certo, ter um currículo impecável. É preciso estar sempre aprumado, é preciso ser socialmente aceito. É preciso aceitar nossa ridícula realidade e nossos grilhões.
E é sugestível que se tente mudar.


31 de outubro - Dia D - Dia Drummond.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Caixinha de música

Eu entrei no quarto e tranquei a porta. Mesmo sabendo que ninguém estaria ali, chequei por todos os lados. De baixo da cama, saiu a pequena caixinha. 
Abrindo a pequena arca o quarto logo foi preenchido por sua melodia inconfundível, e no centro da caixinha de música, a bailarina rodopiava, num arco perfeito, com uma leveza que só com anos e anos de prática se adquire.
E fiquei ali sentada, encarando a pequena bailarina. E pensei como deveria ser infeliz aquela sua realidade, dançando ao som da mesma música, uma vida inteira, sem companheiro nenhum, sem escolha nenhuma, presa num único movimento, à mercê de quem escuta, de à quem pertence.
Se não abro a caixinha, ela permanece no escuro. Se a abro, fica presa naquele arco, naquela pirueta, ao som da mesma música. O que fazer então?
Será que também nós não somos como a pequena bailarina? Adaptados à realidades diferentes, dependendo de outra pessoa, de outras decisões? O que fazer, então?
Como reagir e mudar o tom da música que dançamos? Com quem dançar? Para quê dançar ? Para satisfazer desejos e vontades? Vontades nossas ou de terceiros? Como agir então?
Melhor ficar no escuro, à salvo de olhos alheios, ou a dançar a mesma dança, cansativamente, dia após dia?
Continuaremos como a pequena bailarina, à mercê de outras músicas, de outras vontades, de outras pessoas? Ou passaremos a dançar conforme a nossa própria vontade ?

sábado, 22 de outubro de 2011

Segredos

Posso contar um segredo? Eu me acho meio boba às vezes. Boba por acreditar nas pessoas. Boba por esperar alguma coisa, e nem saber o que eu espero. Eu me acho meio boba assim, por olhar para trás, e não ver momentos inválidos, esquecidos, de arrependimento.
Me acho boba por perdoar as pessoas, mesmo estando magoada. Me acho boba por sentir falta de abraços e de palavras que até hoje não sei julgar falso ou verdadeiro. Me acho meio boba às vezes, por admitir que sinto saudade de pessoas que foram embora, de pessoas que nunca estiveram aqui realmente, e agora estão ainda mais longe.
É um segredo bobo, assim como eu, mas que chateia a alma de vez em quando. Ainda mais quando eu olho ao redor e vejo que as pessoas não fazem o mesmo, na maioria das vezes. Não há perdão, não há saudade. Há um pseudo-sentimento que parece suprir a alma das pessoas, que parece ser o bastante para quem fala e para quem escuta, tudo impregnado de uma falsidade tão verdadeira, que eu me pergunto se na verdade vivo, ou faço parte de um teatro muito bem ensaiado. 
Espero ansiosamente o momento quando as cortinas se fecharão e as mascaras cairão, para assim viver, não atuar; conversar, não recitar; discutir e não dramatizar. Espero o momento em que nos comportaremos como humanos, e não marionetes de nosso próprio egoísmo. Mas isso é um segredo, não espalhe por aí.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Ordem e Progresso?!

"Um dia, a Terra vai adoecer. Os pássaros cairão do céu, os mares vão escurecer e os peixes aparecerão mortos nas correntezas dos rios. Quando esse dia chegar, os índios perderão seu espírito".
Assim começa uma "profecia" feita há mais de 200 anos por "Olhos De Fogo", uma índia Cree.
E não podemos deixar de discordar. Vemos a cada dia o tão famoso progresso engolindo aquilo que é tão precioso, tomando para si vidas que não retornarão mais. É em nome desse progresso, que cada vez mais vemos nosso ar ser poluído, nossas matas desmatadas e nossas vidas serem reduzidas à vidas em latas de sardinha, produtos também de uma linha de produção.
Trabalhamos em nome de um progresso que parece nunca chegar, em nome de algo que toma forma no papel, mas que nos consome de forma aparentemente invisível.
É em nome do progresso, em nome de "levar desenvolvimento à região de Altamira (PA) e municípios vizinhos" que será construída a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Não preciso ficar explicando como se constrói uma usina hidrelétrica né? Se alaga uma grande área desviando-se o curso de um rio, e essa água move turbinas que conseguem converter essa "força" em energia elétrica. 
Eu sei que essa usina "trará melhorias para mais de 4.500 famílias da região que vivem em palafitas". Mas eu fico aqui pensando, será que essas pessoas não estão felizes, do jeito que estão? Será que não seria uma melhoria mais proveitosa, não sei, uma casa para essas famílias. Será que a construção dessa usina não mais piora do que ajuda?
Por gerações essas famílias vivem ali, trabalham ali, moram ali. Não é a construção de uma usina de alta tecnologia que vai conseguir mudar. 
Não preciso entrar no mérito de como isso influencia dentro da natureza, nas espécies que ali vivem, nas plantas que ali vivem.
Mas eu queria deixar bem claro aquilo que mais dói o coração. A população indígena que ali vive. Desde a colonização nós não temos sido justos com eles. É deles que vem muita bagagem do que somos hoje. Se você é brasileiro, deveria agradecer, e muito, aos nossos irmãos índios. Jogados de lá para cá, tratados como escravos, como cachorros velhos, como escória da sociedade, agora, novamente em nome do "progresso", os tiramos de onde vivem, os tiramos novamente de sua terra, de sua cultura, daquilo que é mais sagrado para eles. E assim nós conseguimos magoar, matar aquilo que é nossa herança. Aquilo que é nossa base. Aquelas pessoas que são o nosso início. 
A profecia de Olhos De Fogo termina assim: " Quando esse dia chegar, os índios perderão seu espírito. Mas vão recuperá-lo para ensinar ao homem branco a reverência da sagrada terra. Aí, então, todas as raças vão-se unir sob o símbolo do arco-íris para terminar com a destruição. Será o tempo dos Guerreiros do Arco Íris".
Nós simplesmente não podemos dar as costas para o nosso passado. Isso nega o nosso presente e inviabiliza o nosso futuro. Não podemos deixar que destruam aquilo que é tão precioso. Nossa mãe Terra, aquela que nos dá tudo aquilo que nós precisamos. Que nos dá a água, o alimento. Não podemos ferir desse jeito o coração de quem se doou uma vida inteira, uma geração inteira, para salvar o que temos de mais precioso.
Que desde os primórdios de sua existência, reconhece e protege a força da natureza, coisa que nós, seres humanos superiores, raça de suprema inteligência, ser pensante, não conseguimos entender ainda. 
É sob essa Ordem que vamos continuar vivendo? E em nome desse Progresso que vamos continuar lutando?

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Defeito de fábrica

Há pessoas que tentam entender o funcionamento da natureza. que tentam entender o ciclo do universo. Que tentam entender a origem do mundo ou a existência de alguma divindade.
Eu me contentaria em entender a mente humana.
Para mim, agora, parece infinitamente mais complicada. Tento me responder o que leva uma pessoa à agir de um jeito ou de outro em nome de um sentimento de poder, carência, satisfação. As pessoas são dispostas a tudo. À mentir, fingir, dissimular, enganar, trair, matar. Chegam aos limites, os ultrapassam. Ferem o espaço e o limite do outro. Em nome da própria satisfação.
Não falo isso de uma pessoa qualquer. Nem de uma particularidade minha. Mas enxergo isso em qualquer pessoa. E se torna ruim por isso.
Porque assim como enxergo esse "defeito" em todos, não consigo achar uma solução. E começo a me perguntar se realmente é preciso uma solução. Porque às vezes é esse sentimento que nos leva à ter vontade de conquistar alguma coisa. Que nos leva à persistir um dia após o outro em busca de um sonho.
E não reclamo disso. Não questiono isso. Só não acho justo que essa "busca" perturbe a busca do outro. Não acho justo que para se alcançar algo, você tenha que mentir. Tenha que dissimular. Que tipo de animal nós somos que para própria satisfação prejudicamos o outro? 
Não vejo nada que possa justificar isso. Não vejo nada que possa defender aquele velho ditado "os fins justificam os meios". Não justifica. Nenhuma causa é nobre o bastante para se custar a honestidade, uma amizade, uma vida. 
Pessimismo e conformismo meu dizer que sempre será assim, mas não vejo outra forma. O que eu posso tentar fazer, assim como você, é admitir, me vigiar, me punir, para toda vez que perceber que estou sacrificando a felicidade do outro em nome da minha, poder mudar, e me tornar uma pessoa melhor.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Sócrates

E se eu sumir, não se assuste. Metamorfoses fazem parte, mesmo às avessas. De borboleta, passei a lagarta. Agora aprendo, do início, e por algum canto vago, procurando minhas asas e meu caminho.
Pois não há nada que possa ser de todo inútil, se aqui me perco, em algum canto me acho. Se agora choro, logo as lágrimas secam, um sorriso nasce, tristezas evaporam, esperanças florescem.
Mesmo perdida, sei que me acho. Mesmo sozinha, sei que há alguém segurando minha mão. Anjos, que disfarçados de amigos me guiam, mesmo às cegas.
E às escuras, sinto que estão ali. Mas muda, não sei como agradeço. Mas cega, não sei onde se encontram. Mas surda, não consigo ouvir as promessas de que tudo vai ficar bem.
Mas talvez seja assim mesmo, talvez todos nós nos sentimos assim, andando em círculos, sem saber onde ir, sem saber se está indo ou voltando, subindo ou descendo, evoluindo ou regredindo.
E volto ao começo. Volto aos primórdios. Volto ao fim. Não sei para onde volto. Não sei por onde caminho. Não sei nem quem sou eu. "Só sei que nada sei".

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Instrumento poético

   Às vezes elas fogem. Às vezes machucam, iludem, confortam. Às vezes são tudo o que você precisa. 
   Palavras, parecem tão simples. Letras, agarradas num pedaço de papel, na tela de um computador. Grafadas com capricho, com pressa, redondas, pequenas, estreitas, espaçosas, grandes. 
   Palavras que mudam, que completam, palavras que movem ideias, pensamentos, sentimentos. Palavras que, uma vez soltas, são como flecha atirada.
   Podem ferir qualquer um, poder ter qualquer destino. Palavras podem ser interpretadas de qualquer jeito. Palavras confundem, alimentam sentimentos. Palavras carregam gestos, preconceitos, ações, admirações. 
   Palavras são a essência do mundo. Alimento dos poetas.
   Mas palavras são desnecessárias. Às vezes são impróprias, inadequadas. Há atos que falam mais. Olhares que expressam mais. Palavras são palavras, instrumentos.
   O que há por trás, é humano. É sentimento, é pensamento. 

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Qual perfeição?

    Nunca é o que a gente pensa. A linha que separa o real significado daquilo que nós interpretamos é quase imperceptível. Mas a decepção se torna real. A mágoa se torna real. 
   Nunca paramos para ver a tempestade chegando. Para escutar o vento assoviando em um ritmo diferente. Para observar a dança das folhas. Nunca previmos a força de um tornado ou a intensidade de uma ressaca. Só percebemos mesmo quando estamos no olho do furacão. Depois que passa, qualquer folha amarelada faz referência ao vigoroso verde, e assim tampamos nossos olhos, assim entramos em um ciclo constante. Em que tudo é uma questão de imagem, de significado.
   A imagem é aquele que nós fazemos, é o nosso pré conceito, é aquela que fica, por mais falsa que seja. É aquela imagem que não se apaga, que luta contra qualquer realidade. A imagem da melhor amiga ideal, do príncipe encantado, do vilão, do bandido. A imagem que se perpetua.
   Significados, nós inventamos. Assim como regras, assim como padrões. O que se inventa, o que se cria, o que vem de nós, é falho. Falho e mesquinho. E tem a imagem da perfeição.