Páginas

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Presença

Não chovia, mas o asfalto encharcara-se e as calçadas estavam escorregadias. De olhos no chão, eu evitava o desfile sóbrio de guarda-chuvas.
- Tác!
- Moleque danado! Me assustou!
A senhora esbarrou em mim enquanto passava correndo para pegar o ônibus.
- Tác!
Eu mesma me assustei com a bombinha que estourou no meu pé; ergui a cabeça e ali estava.
No rosto rechonchudo, no sorriso infantil, no olhar arteiro. Estava ali, vivo ali.
Uma exaltação logo em frente, na rua, atraiu minha atenção. Três garotos vinham correndo, levantando pipas coloridas no céu nublado. Puxavam consigo o alaranjado esperançoso do pôr-do-sol, abrilhantando o final da tarde. Estava ali também, embrenhado em cada carretel, junto aos pés encardidos. 
Mais à frente, ao portão, trancinhas e vestidos esvoaçantes roubavam flores do canteiro para enfeitar os cabelos das bonecas Estava ali também, sempre esteve!
Estava ali, em todos os cantos; em cada par de olhos, em cada risada desinibida, em cada gritinho excitado e carrinho de pipoca. Está aqui, ali, e em todo lugar. Sempre esteve e sempre estará.
Afinal, é a infância que está morta ou nossos olhos que estão fechados?

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Peça mais!

São Paulo merece mais!
Mais flores, mais verdes, mais céu azul. Merece mais flores!
São Paulo merece mais abraços, mais sorrisos, mais romances, mais amizades. Merece mais humanidade!
São Paulo merece mais música, mais dança, mais teatros, mais bibliotecas. Merece mais cultura!
São Paulo merece mais honestidade, mais verdade, mais atenção. Merece mais respeito!
São Paulo merece mais crianças, mais cirandas. Merece mais brincadeiras.
São Paulo merece mais paz, mais saúde, mais tranquilidade. Merece mais segurança.
São Paulo merece mais, sempre mais. Mais de você, mais de nós.
São Paulo merece o que cada um merece.
Merece mais sonhos, mais felicidade.


Parabéns São Paulo, parabéns paulistanos. 459, e pedimos muito mais.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Educação Moral e Cívica

Patriotismo. Eu nunca parei para pensar em como uma palavrinha poderia nutrir uma gama tão grande de pensamentos e confusões. Nunca parei para pensar, e admitir, que sinto falta disso.
Talvez eu esteja para repetir um discurso clichê, de reprodução de ditadura, de totalitarismo ou seja o que for, e talvez seja mesmo, mas é o que eu sinto, e o que eu pretendo explicar.
O que as aulas de Educação Moral e Cívica e O.S.P.B (Organização Social e Política Brasileira) pretendiam, quando obrigatórias no currículo escolar, até o fim do Período Militar? Engessar as crianças ao fazê-las decorar os hinos da pátria, seus símbolos, bandeiras e história?! Nunca fui à favor da "decoreba", mas eu consigo imaginar o quanto esse tipo de estudo faz falta dentro de uma sala de aula. O quanto esse conhecimento faz falta para aqueles que estão sendo formados lá dentro, os cidadãos! E a falta dessas aulas, talvez, seja uma parte do motivo para que não tenhamos mais aquela ideia de "Nação" e "Pátria". De "União" e de "Luta".
Não estou dizendo que devemos adotar os lugares comuns e reunir a família para comer feijoada aos domingos, para assistir ao final do campeonato de futebol ou curtir a apuração do carnaval no final da tarde, mas que aprendamos e ensinemos às crianças sobre aquilo de mais precioso que um ser humano pode carregar consigo: a nossa história!
Que aprendamos, de novo os que esqueceram e os que nem conhecem; e que ensinemos às nossas crianças o porquê dos símbolos, dos hinos. Que apresentemos à elas os nossos heróis, os nossos poetas e escritores grandiosos, nossos musicistas geniais. Que elas passem a entender que não nasceram e foram criadas sem uma nacionalidade. Somos uma nação não porque estamos dentro de um mesmo território, mas porque nossa história é a mesma e nossas raízes as mesmas. Somos todos fruto dessa terra e dessa história, somos todos frutos desse tempo e do que já foi, somos todos cidadãos e encarregados de lutar pela nossa pátria!
Se nós, que somos filhos dela, não lutarmos por ela, quem o fará por nós?
Se nós desprezarmos toda a nossa história e todos os nossos símbolos, não estaremos sozinhos, sem a quem nos assemelhar? Não estaremos sozinhos, lutando por ideais individuais enquanto muitos dos nossos no passado lutaram em nome da nossa liberdade? Da nossa cultura? Teria sido aquela uma luta em vão, para que nós, hoje, esqueçamos de tudo?
São tantas perguntas e tantas informações para assimilar, tanto para entender, para conhecer, para apreciar nesse nosso Brasil. E se não pudermos aprender a contemplar primeiro nossos campos e nossos bosques, cheios de flores e vida, se não pudermos contemplar nosso céu, tão bonito e estrelado, o que teremos? Se esquecermos dos nossos versos e das nossas melodias, quem lembrará por nós?
E não é isso que tem levado a humanidade à ruína? O eu individualista? A falta de uma nação unida? A falta de uma força de braços e cabeças que lutem juntas, pensem juntas, que sintam juntas e que amem juntas? 
E o quanto poderemos fazer sem conhecer nossa história? O quanto poderemos fazer sozinhos?
Há muito o que pensar, muito pelo que lutar, e para tanto um eu único com conhecimento ou uma legião de ignorantes terá a mesma força.
Aprender e unir. Talvez seja a hora de conjugar estes dois verbos em harmonia.

sábado, 19 de janeiro de 2013

O Sonho na Bolha


Seus pezinhos descalços e encardidos penduravam-se longe do chão enquanto alguns narizes sobressaiam às capas dos livros nas mesas adiante, indignados. 
Mesmo assim e sem se importar, a figurinha miúda e de olhos brilhantes, isolando-se ou isolada num cantinho da biblioteca, perdia-se nas letrinhas, achava-se nas histórias de princesas e saltimbancos; adorava aquele lugar de magia.
Ali não era proibido sonhar.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

"Ó capitão, meu capitão"


Daqui é tudo diferente.  Tudo parece mais claro, menos confuso, parece tudo se encaixar com precisão, uma precisão surrealista, mas mesmo assim... Daqui, do alto da Torre do Banespa, São Paulo parece ser mais lógica, mais viva; o mesmo caos, mas numa proporção mais bonita, reveladora.
“Esse prédio foi por muitos anos o maior edifício da cidade”. E mesmo assim, olha como os outros arranha-céus insinuam-se às nuvens!
“E aquele ali, logo na frente”, disse o monitor, “foi o maior nos anos anteriores”.
E mesmo os prédios se superam, se completam também em busca das estrelas.
 As outras crianças não parecem perceber: só se empurram e gritam atrás de mim, mas de uma forma improvável essa construção tão humana completa esse céu, tão divino. Um quebra-cabeça de cores, movimentos e formas tão suaves, de uma expressão tão forte que enchem os olhos da gente. De orgulho? Ou de pura emoção de ter algo assim, tão bonito, para ver e sentir?
E lá em baixo os pontinhos, que bem poderiam ser formigas, transitam enchendo a cidade de vida. Saturando a cidade com seus sonhos, suas certezas, seus medos, suas resoluções, suas lágrimas, seus sorrisos, seus amores e suas flores. Cada qual com sua vida, cada qual com seu olhar de olhar, orando às suas estrelas, entregando-se aos seus prazeres e obrigações. Cada qual lá em baixo olha o mundo diferente, apaixona-se e vive diferente.
Mas daqui, do alto da Torre do Banespa, tudo é diferente. A cidade é a mesma. A vida é a mesma.
Em uma perspectiva diferente.


quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Promessas

Fogos de artifício iluminaram o horizonte do bosque, e as duas sombras, já debilitadas e transparentes, escondidas atrás das árvores sabiam o que aquilo significava. Logo as novatas chegariam. 
E não tardou para que isso acontecesse, logo pipocaram aqueles novos seres por todo o bosque que, iluminado pelos fogos e pela lua tornava-se mais confortável do que uma hora antes fora, frio e sombrio, cinza e monocromático.
Os novos seres eram de cores mil, e mais quentes, mais fortes do que aquelas que já estavam ali, esperando.
"E agora, mãos à obra!", exclamou aquela criaturinha tão parecida, em forma, e tão diferente, em cor, das outras.
Eram todas iguais, aqueles pequenos seres de formas proporcionais, simétricas, pequenas, agudas. Eram todas como vidro, e a transparência translúcida de algumas delas denunciavam suas idades- e ideias.
"O que quer dizer, novata, com 'mãos à obra'?", perguntou uma das formas quase transparentes, "não há nada o que fazer aqui, se a força com que foi criada já se extinguirá quando as luzes no céu se apagarem. Não há o que fazer, só esperar com que fiquem como nós, transparentes, até se apagarem por completo também".
"Ora, e como pode ter tanta certeza?! Eu sou a Promessa de Amor! E essa aqui do meu lado, é a Promessa de Felicidade! Como pode ter tanta certeza que apagaremos? Que a força que nos criou não será o bastante para nos manter?"
"Porque eu mesmo já fui como vocês. Fui a Promessa de Paz. Aquele ali, que engorda mais a cada dia, a Promessa de um Corpo Enxuto. Acolá, a Promessa de Força, que se esvai a cada batida de coração. Por ali, as promessa de Leitura, de Estudo, de Dedicação, de Trabalho, de Sobriedade. E todas elas, todas nós, estamos desaparecendo. A força que nos criou, que você parece idolatrar tanto, não foi o bastante para nos tirar daqui, e nos levar até lá". A Promessa de Paz apontou para uma montanha, onde um lindo palácio de cristal brilhava à meia luz, refletindo as cores dos fogos, ora amarelos, ora vermelhos, ora um arco-íris resplandecente no céu.
"Ali, não somos promessa. Seremos realização. E mesmo assim, os que ali vivem não são em maior ou igual número que nós, que aqui ficamos, esperando".
"Esperando pelo quê? Não há nada que possamos fazer?"
"Esperamos por Ela. Ela que foi se aventurar no mundo dos homens, que já esteve no Palácio e por vezes ronda esse Bosque. Ela que mantém todas nós vivas, mesmo que debilitadas. Ela que alguns de nós pensam que é puro mito, já que não aparece há algum tempo. Esperamos que ela traga a força que nos manterá vivos e prontos para cumprir aquilo que nos foi incumbido, apesar da força que nos falta."
"E quem é Ela? Por quem devemos esperar, e saber que ainda podemos, que ainda teremos nossa chance no Palácio das Realizações?"
"Acreditamos nela, e esperamos por Ela. A Esperança".