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domingo, 28 de agosto de 2011

"Sundae"

Dia cinzento, cheio de vírgulas.
Dia de palavras engasgadas, 
sonhos projetados, 
estudos evasivos, 
fugas imaginárias.
Dia de reflexão.
Dia de nostalgia.
Nostalgia que se derrama e logo escorre por entre os dedos;
Dedos que procuram por qualquer sinal na escuridão;
Escuridão que pende inerte entre aquilo que sou e aquilo que fui.
E aquilo que fui surge em rompante no meio do mar,
Sem farol que ilumine, que ache ou que acompanhe,
E então submerge no mar de memórias, 
Memórias, névoa, sonho.
E desperto. E então existe paz, paz entorpecida, mas paz.
E o dia se consome.
E o sorvete derrete ali, em cima da mesa.

A arrumadeira

    O  Senhor entrava, cumprimentava todos com um maneio de cabeça, guardava sua maleta no escritório e sentava-se à mesa.
    A Senhora descia de seu quarto, com os olhos no chão, e sentava-se ao lado do marido.
    As Crianças voltavam do quintal, correndo, e sob o olhar severo do pai se colocavam à mesa quietas, esperando.
    E então comiam em silêncio. Vez ou outra faziam um comentário qualquer sobre o dia, como mandava bem o roteiro, tudo bem ensaiado.
    E eles nem percebiam que eu estava ali, e que sabia cada movimento. Parecia uma daquelas sensações de déjà vu, mas não era. Era só o jeito que aquela família era programada.
    E eu poderia não estar na sala, e saberia que o Senhor assim que terminasse voltaria para o escritório. Que a Senhora pegaria outro livro para ler no quarto, e as Crianças assistiriam qualquer coisa que estivesse passando na televisão. E assim as horas avançariam, e as Crianças subiriam para dormir. O Senhor também iria para a cama e já encontraria a Senhora dormindo.
    E quando a casa despertasse, cada um iria de volta para a sua rotina. O Senhor para a empresa. A Senhora para a loja. As Crianças para a escola. E eu ficaria em casa, arrumando tudo.
    Em outras casas que eu trabalhei, a rotina era a mesma. Arrumar as camas, lavar a louça, lavar e passar as roupas. Varrer a casa. Sempre a mesma. Com exceção daquela primeira.
    Fernando chegava de noite, isso era certo. Mas não tinha uma hora exata. Chegava e beijava a mulher, Luiza, que costurava alegremente em sua cadeira. Os dois então pediam licença e se retiravam, e eu ia terminar o meu trabalho. De manhã cedo, Fernando ia para o colégio em que dava aula, e Luiza para o hospital, onde era enfermeira. E quando os dois saíam, eu tinha ainda mais coisas para arrumar. Eu tinha seus sonhos presos nas paredes, tinha seu amor impregnado em cada roupa de cama, e sua esperança presa em cada peça de roupa. E eu organizava tudo com muito carinho, limpava tudo com muita dedicação, até que um dia eles chegaram juntos. Felizes juntos. E me disseram que eu os ajudaria a arrumar tudo, porque não morariam mais ali. Agora eles tinham uma nova esperança à caminho, e se mudariam para outro lugar.
    E os que vieram depois, não me deram trabalho. Não tinham sonhos, nem paixões, nem esperanças, nem desejos. Não tinham nada. Só tinham sua rotina. Só tinham seus trabalhos. E um dia após o outro, pareciam mais e mais com marionetes muito bem ensaiadas. Ou melhor, cada dia mais como bem programados robôs.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Eternos Beatles

    Me considero uma pessoa carente.
    Isso é ponto pacífico, não tem com o que resistir. Sou carente de estímulos, de sentimentos, de livros, de pensamentos, de novidades, de cores, de amizades, de sonhos. Sou carente de tanta coisa que nem sei ao certo o que listar direito.
    Eu tenho carência de atenção, e acho que esse é o sentimento mais egoísta que eu posso ter.
    Porque às vezes eu preciso de alguém que fique do meu lado. E não precisa de ser muito. Não precisa dizer muito. Não precisa dizer "Eu te amo" e nem prometer "Para sempre". Não precisa matar ou morrer por mim.
  Não preciso de alguém loucamente apaixonado, nem de alguém que não se importe. Não preciso de promessas, de garantias, de mentiras.
    Eu só preciso, como bem diriam os Beatles, de alguém que segure a minha mão.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Aquelas conversas que ganham o seu dia


Vie diz (21:37):
*pronta pra começar uma nova pagina na sua vida?
Ana diz (21:37):
*não sei
*acho que sim, né
*se vc, o Lu, a Yara, a Lari, a May, a Lary, a minha mãe, e todo mundo que eu gosto mesmo e que me dá força tiver do meu lado
*Sim, mais doq pronta
Vie diz (21:38):
*saiba q pod contar cmgo, estarei ao seu lado, pro q der e vier!

É, eu sei que posso contar com você. E você também pode contar comigo, sempre.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Presente

    Era uma vez uma garota que já não sabia nada. Não sabia se o dia de ontem não passou de um lindo sonho ou um terrível pesadelo. Ela já não sabia o que esperar do dia de amanhã. Se prendia a tudo e qualquer coisa que mantivesse sua mente longe dali, em um lugar onde nada era totalmente real, nada durava, mas nada acabava. E assim, ela não sabia mais o que ou quando era o hoje.
   Até que ela foi perdendo. Foi perdendo a vontade, foi perdendo o sono, foi perdendo seus gostos. E ela vivia como que por instinto, respondendo e rindo, estudando e sonhando, mas não era mais nada certo. Tudo era como que em sonho. E então ela conheceu alguém.
    E ela conheceu esse alguém e já sabia que seria como sempre. E sabia que eles não teriam laços. E sabia que assim como os demais, esse alguém se afastaria quando percebesse o quão perdida ela estava.
    Mas algo de surpreendente aconteceu. E talvez isso tenha feito essa nossa garota a acordar. Esse alguém, de uma hora para a outra, tornou-se um amigo. E não um amigo qualquer. Um amigo que sabia falar as palavras certas, nos momentos certos, sabia como fazer a nossa garota feliz, sabia como fazê-la pensar.
    Até que um dia ela se achava mais perdida do que o normal. Porque além de fugir, ela começou a ter uma mera visão do hoje, e tudo a assustou. Ela começou a se tornar ciente de toda a realidade que a cercava.
    E ela buscou abrigo em seu novo amigo. E ele docilmente disse: "O que importa é o seu agora, não é a toa que chamamos ele de presente. O que esta por vir, sempre sera uma interrogação, mas uma coisa eu garanto hoje ou amanha eu vou estar sempre do seu lado".
    E ela entendeu. Entendeu o que seu amigo quis falar. O dia de hoje é um presente, nunca irá existir um dia como esse. O passado nunca irá se repetir, e o futuro... Esse é uma incógnita, e descobrir antes do tempo pode se tornar extremamente frustrante.

P.S.: Obrigada, meu amigo, por essas e outras palavras que me fizeram tão bem. Eu espero, um dia, poder te retribuir tudo isso!

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Reformas

    E o que é amor? E o que a gente acha que é amor? Será que tem diferença, tudo isso? O que esse sentimento é, é a gente que determina? Ou nós só sentimos? Ou nós só achamos que sentimos? Ou nós só damos um nome, alguns sintomas, estabelecemos algumas regras. Mas precisa de regras? A sociedade já não é cheia de regras que nós "precisamos" seguir? Fale isso, aja dessa forma, não diga isso, não julgue, não fale, não sinta, não retruque.
    O que nós sentimos agora é amor? O que nós sentimos agora é amizade? O que nós sentimos agora é raiva? Ou os sentimentos mudaram? As músicas mudaram. Os filmes mudaram. Os conceitos mudaram. As paisagens mudaram.
    Lá no centro pintaram o teatro, tudo mudou. E o amor, mudou?
   

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Meu refúgio

    Minha vontade às vezes é de acreditar que elas existem. Talvez fosse mais fácil, e soasse mais verdadeiro do que certas coisas que eu "acredito".
    Parecia uma coisa tão fácil, acreditar. É só ter fé. Mas ter fé em quê? Tudo parece falso. Eu me sinto falsa, fingida, forçada. Dou sorrisos que não existem, digo palavras que não são minhas e uso gestos que não são meus. E é nessas horas que eu volto a repetir. Seria mais fácil acreditar que elas existem.
   Elas quem? Ora, aquelas que todos nós, pelo menos uma fração de segundos já acreditaram. Nas fadas.
   Fadas que tomavam conta dos sonhos, das brincadeiras, dos desenhos, das canções. Fadas que eram puras, lindas, perfeitas. Que eram invariavelmente felizes. 
    E nessa loucura toda de fé, de acreditar, de motivos e propósitos é quando eu tenho vontade de sair no jardim e procurá-las. Dançar junto com os vaga-lumes, deixar bolo para elas nos ninhos de passarinho, construir uma linda casa, dar bom dia às borboletas, e pedindo que enviassem recados às amigas.
    Com todos esses desejos, com toda essa ânsia de acreditar e de achá-las, com toda essa loucura de ser criança, de ser adulta, com toda essa confusão, perdoe-me se eu me perder para sempre na Terra do Nunca, em companhia de Peter Pan, dos índios vermelhos, do velho Hoock, para me tornar, de uma vez por todas, uma delas.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Timidez

    Alguns de nós sofremos de um mal que, de tão comum, passa desapercebido: a timidez. Por esse motivo, criei uma nova página do blog, para aqueles que, por dificuldade ou escolha, não publicam seus pensamentos em uma área, digamos, "restrita".
    Para quem se interessar em ter seu texto publicado, pode mandar para o e-mail ana.eliza.95@gmail.com, e se for pertinente, será publicado.
    Antes, esclareço que eu não o julgarei certo ou errado, apenas verei se tem um tema adequado e não fale "bobagem". A consciência de cada um sabe julgar o que é bobagem ou não. 
     Também não o publicarei imediatamente. Não preciso dizer que tenho minhas outras atividades, e ler, corrigir e publicar, o seu e o meu, demanda um tempo.
     Obrigada, desde já, pela cooperação.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Plantada

     Todos os dias eu a ouvia sussurrando. Não a toda hora, pois era bem baixinho, quase inaudível, só escutava mesmo quando não tinha mais nenhum barulho. Podia muito bem ser confundido com o ruído do vento, ou o farfalhar das folhas. Eu só sei que eu ouvia, e nunca prestei muita atenção. Às vezes eu tenho isso mesmo, escutar e ver coisas que não passam de vontades minhas sendo produzidas pela minha cabeça. Então eu a ignorava. E acho que um dia ela ficou brava por isso.
     Nesse dia em questão, ela conseguiu me acordar, bem de manhãzinha, quando nem os passarinhos pensavam em sair de seus ninhos e só os corajosos saiam da proteção das cobertas. Eu, exasperada, fui até a janela e gritei para a vozinha: "Então, o que você quer? Se queria me acordar e me tirar da rotina, já conseguiu".
     Mas a vozinha se calou. Não me chamou mais, e eu acabei fechando a janela e caindo no sono. Mas eu passei a sentir falta do sussurro. No terceiro dia, porém já tinha esquecido esses pequenos acontecimentos.
     Até que um dia eu ouvi, mais fraquinho que o normal, como alguém que chama mas não sabe ao certo se a pessoa vai virar, e eu lembrei de tudo. Sai correndo ao seu encontro e a vi pela primeira vez.
     Ela era alta, bem alta, imponente, e mesmo assim, já velha. Com algumas manchas em seu corpo, e uma parte já quase consumida, sua folhas ainda brilhavam com alguma vigorosidade. Apesar de antiga, a velha árvore agora se mostrava cheia de orgulho de si, e me chamou para sentar.
     Sentei em um de seus galhos que mostravam mais conforto e segurança, e fiquei olhando para a rua, e ela começou a conversar comigo.
     Até hoje não acho que tenha sido uma conversa, acho que foi só um desabafo. A velha árvore me contou sobre tudo aquilo que ela já tinha visto ali, ao pé daquela rua. As pessoas que passaram por ela, altas, gordas, magras, baixas, felizes, apaixonadas, amarguradas. Me contava de certa prisão que ela presenciara. Contou de um casal apaixonado, que vinham se encontrar todos os dias, sob sua sombra. Me contava sobre um companheiro cachorro, que ia até lá todos os dias, mas hoje não aparecia mais. Contou sobre um amigo que se pendurava em seus braços por todos os dias, mas que depois cresceu e sumiu.Contou tudo o que ela tinha aprendido até aquele dia. Sobre todas as culturas que ela conhecera, mesmo sem poder sair dali. Contou sobre tudo aquilo que ela aprendeu, sem ter que ter aula alguma. E contou como os dias amanheciam mais bonitos, apesar de tudo o que acontecia pelos arredores. Apesar de toda a violência, apesar de toda a ignorância, não tinha um dia que ela não pensava em como era bom estar ali, naquela rua, ao observar aquelas pessoas que, mesmo passando por ali todos os dias, ou mesmo sendo desconhecidos podiam ensinar tanto, apenas com um olhar, apenas com um gesto.
     E depois, quando o silêncio tomou conta de sua conversa, eu perguntei porque ela me contava tudo aquilo. Ela respondeu que, apesar de ter passado sua vida inteira ali, parada, só observando, o que ela aprendera valeu a pena, e agora, que ela não tinha mais garantias do dia de amanhã, ela precisava contar para alguém.
     Eu ouvi a minha amiga, ouvi e por muitos dias voltei só para sentar em seus galhos e olhar o movimento da rua. Ela já não me contava nada. Vez ou outra apenas fazia um comentário, e eu também não fazia questão de atrapalhar suas reflexões.
     Hoje, tiraram a minha árvore dali, não posso mais me sentar ao seu pé ou em seus braços e lembrar daquilo que ela me ensinou, ou observar aquilo que me ensinava cada dia mais. E sinto falta de minha amiga.
     Se continuei a ficar ali, parada, vendo a vida passar? Não, não continuei. Se aprendi observando, aprendi vivendo também. Mas isso não significa que minha amiga não teve os maiores sonhos, os maiores ensinamentos, as maiores alegrias plantada ali, ao pé da rua, vendo o mundo mudar.
   

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Encharcados

     "Toda noite eu sento aqui na minha caminha e fico olhando pra camona da minha mãe, lá do outro lado do quarto. Eu sempre gostei desse quarto, grandão, com piso de lojinha, preto e branco, com a minha caminha, a camona da mamãe e do papai, e o bercinho da neném. A mamãe já veio aqui me dar beijinho e foi lá pra camona, onde ela dorme com o papai. Mas o papai não tá aqui hoje, porque a mamãe disse que ele foi viajar e que agora ele só vem visitar a gente de vez em quando, porque agora ele tem outra camona pra dormir.
     A minha irmãzinha que tá lá com ela, e se eu quiser eu vou também, mas eu já sou grande e mocinha, por isso que eu durmo aqui na minha caminha, junto com a Dedé, a minha coelha e com o Panda, o meu panda. Eu não tenho medo não, porque quando o papai dormia aqui ele falava que se eu achar que tinha alguma coisa dormindo em baixo da minha caminha, que era pra cantar bem forte e bem alto que a coisa ruim ia embora, então de noite eu cantava, e ele gostava e dava risada e cantava junto. Mas hoje eu cantei baixinho, que a mamãe tá com dor de cabeça, então shiu.
     E agora eu vou dormir, que eu não tenho medo, e que eu sou mocinha, e que as mocinhas tem que dormir cedo e sozinhas nas caminhas delas, depois de dar boa noite pra mamãe e pra irmãzinha e depois de ir no peniquinho, porque senão tem goteira no colchão"

     Pois é, se eu soubesse escrever com essa idade, seria mais ou menos assim. Eu devia ter uns três ou quatro anos, quando essa situação aí de cima acontecia. E eu ia dormir mesmo, sozinha e sem medo, só que diferente do que eu pensava, o meu colchão acordava encharcado do mesmo jeito. O meu conforto era saber que todas as minhas "amiguinhas" tinham o mesmo probleminha...
     Hoje, eu também durmo sozinha, depois de dar boa noite pra minha mãe e pra minha irmã. Continuo cantando as músicas que o meu pai me ensinou antes de dormir, e toda vez que eu sinto medo também. Ainda durmo com o meu urso panda sim, e saibam que ele é muito boa companhia, obrigada. Mas na hora de pegar no sono, quando a insônia mantém os meus olhos abertos, mesmo no escuro, girando de um lado para o outro, sem parar; depois de tanto pensar, refletir e sonhar, é o meu travesseiro que acorda encharcado, de palavras.