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domingo, 28 de agosto de 2011

A arrumadeira

    O  Senhor entrava, cumprimentava todos com um maneio de cabeça, guardava sua maleta no escritório e sentava-se à mesa.
    A Senhora descia de seu quarto, com os olhos no chão, e sentava-se ao lado do marido.
    As Crianças voltavam do quintal, correndo, e sob o olhar severo do pai se colocavam à mesa quietas, esperando.
    E então comiam em silêncio. Vez ou outra faziam um comentário qualquer sobre o dia, como mandava bem o roteiro, tudo bem ensaiado.
    E eles nem percebiam que eu estava ali, e que sabia cada movimento. Parecia uma daquelas sensações de déjà vu, mas não era. Era só o jeito que aquela família era programada.
    E eu poderia não estar na sala, e saberia que o Senhor assim que terminasse voltaria para o escritório. Que a Senhora pegaria outro livro para ler no quarto, e as Crianças assistiriam qualquer coisa que estivesse passando na televisão. E assim as horas avançariam, e as Crianças subiriam para dormir. O Senhor também iria para a cama e já encontraria a Senhora dormindo.
    E quando a casa despertasse, cada um iria de volta para a sua rotina. O Senhor para a empresa. A Senhora para a loja. As Crianças para a escola. E eu ficaria em casa, arrumando tudo.
    Em outras casas que eu trabalhei, a rotina era a mesma. Arrumar as camas, lavar a louça, lavar e passar as roupas. Varrer a casa. Sempre a mesma. Com exceção daquela primeira.
    Fernando chegava de noite, isso era certo. Mas não tinha uma hora exata. Chegava e beijava a mulher, Luiza, que costurava alegremente em sua cadeira. Os dois então pediam licença e se retiravam, e eu ia terminar o meu trabalho. De manhã cedo, Fernando ia para o colégio em que dava aula, e Luiza para o hospital, onde era enfermeira. E quando os dois saíam, eu tinha ainda mais coisas para arrumar. Eu tinha seus sonhos presos nas paredes, tinha seu amor impregnado em cada roupa de cama, e sua esperança presa em cada peça de roupa. E eu organizava tudo com muito carinho, limpava tudo com muita dedicação, até que um dia eles chegaram juntos. Felizes juntos. E me disseram que eu os ajudaria a arrumar tudo, porque não morariam mais ali. Agora eles tinham uma nova esperança à caminho, e se mudariam para outro lugar.
    E os que vieram depois, não me deram trabalho. Não tinham sonhos, nem paixões, nem esperanças, nem desejos. Não tinham nada. Só tinham sua rotina. Só tinham seus trabalhos. E um dia após o outro, pareciam mais e mais com marionetes muito bem ensaiadas. Ou melhor, cada dia mais como bem programados robôs.

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